Ainda que não seja possível precisar a origem e o verdadeiro objetivo da frase “ecclesia reformata, semper reformanda (secundum verbum Dei )” – a igreja reformada, sempre se reformando (segundo a Palavra de Deus) (1), o conceito envolvido pode ser aplicado ao longo do tempo decorrido entre o movimento da Reforma do séc. XVI até os dias previstos para a existência da Igreja.
Outro jargão muito utilizado no meio reformado é que a Bíblia é a única regra de fé e prática / conduta, decorrente de um dos cinco “solas”, o Sola Scriptura – somente as Escrituras. Reconheço o trabalho hercúleo que resultou na Reforma de 1517, tanto dos antecessores, como os que vieram depois, pois tiveram que lutar contra forças políticas e religiosas que estavam no poder, tinham sede de poder e não queriam largar o poder, em nome de um cristianismo que de cristão já não tinha mais nada. Nesse embate, algumas práticas religiosas sem muito embasamento bíblico se perpetuam sem um questionamento adequado, simplesmente fazendo parte da liturgia, dogmas, orientação denominacional, ou algo parecido.
Relaciono aqui algumas dessas práticas sem aprofundar na discussão de cada tema. Não é uma lista exaustiva e também não está em ordem de importância.
1) Hierarquia pastoral
Algumas denominações mais explícito em outras mais velado, o pastor é um “ser superior”. Ele é que orienta a Igreja (em muitas, manda), aconselha, prega, administra, batiza, casa, enterra… Há um abismo entre eles e os “pregadores leigos”, palavra que remete à estrutura Católico Romana em que o clero é a igreja o resto é leigo. Nas listas de dons onde aparece o pastor, ele é mais um no corpo de Cristo (Igreja) que com sua atuação ajuda na edificação da Igreja. O pastor cuida, o profeta fala (prega), o mestre ensina, o evangelista leva a mensagem aos não crentes, e assim sucessivamente. Sobre aconselhamento em particular, a orientação bíblica é que deve ser “mutuamente em toda sabedoria” (versão Revista e Atualizada) e não especialização do pastor. Felizmente existem iniciativas positivas nesta área. (2) (3)
2) Sacramentos.
Se no catolicismo romano são sete, algumas igrejas reformadas ainda mantem dois.(4) Mesmo nas denominações que não consideram oficialmente o batismo e a ceia como sacramentos, a prática leva a esse entendimento. No culto de ceia, normalmente a presença dos membros é maior. De alguns anos para cá, introduziuse a prática em algumas Igrejas Batistas de “levar a ceia” a pessoas impedidas de participar no templo, provavelmente para não perder a bênção da comunhão. Ora, o ensino bíblico é que a ceia é um dos maiores eventos evangelísticos da igreja: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.” (1 Coríntios 11.26)
Em relação ao batismo, o entendimento corrente é que a partir dele (resquício da doutrina romana que o batismo salva), a pessoa não deve mais pecar, deve procurar se santificar, colaborar com a igreja… Segundo Paulo, orientando os romanos, no capítulo 6 de sua carta escrita àquela Igreja, a partir do verso 3, o batismo é um teatro, uma encenação pública de algo que já aconteceu no passado na vida do cristão: foi morto com Cristo (v. 3), sepultado na sua morte e ressuscitado dentre os mortos, pela a glória do Pai (v. 4) e o velho homem foi crucificado com ele (v. 6) para com ele também vivermos. (v. 8)
3) Altar.
A centralidade do culto romano é a eucaristia – Missa /sacrifício. Então, a necessidade de um altar. Por definição, altar é o lugar de se entrar em contato com o poder divino ou com os mortos, por meio de um sacrifício e de oferendas. As religiões primitivas
supunham que o altar de uma divindade seria o lugar onde ela manifestava a sua presença. No entanto a morte e ressurreição de Jesus Cristo aboliu a necessidade de sacrifícios e lugares específicos para experimentarmos totalmente sua presença. Podemos agora entrar com ousadia, intrepidez no Santo dos Santos (= sua presença), pelo sangue de Jesus, a qualquer hora, em qualquer lugar. (Hebreus 10.19)
O foco do culto cristão é a adoração e o kerygma onde são enfatizadas exatamente a morte e ressurreição de Jesus Cristo, com todas as suas implicações teológicas. (Ver Rm 16,25; 1 Co 1.21; 2.4; 15.14; 2 Tm 4.17; Tt 1.3 onde essa palavra aparece). Esta é a razão de, na maioria das igrejas reformadas, o púlpito estar no centro do templo.
Pequenos exemplos. Para pensar.
Soli Deo Gloria!
(1) Veja uma discussão aprofundada em:
https://voltemosaoevangelho.com/blog/2017/11/igreja-reformada-sempre-se-reformando/
(2) O Seminário Teológico Batista do Estado de São Paulo (STBESP), numa atitude pioneira, em
convênio com a Faculdade Teológica de Campinas, oferece um curso em nível de pós-graduação
em aconselhamento que é aberto a toda liderança cristã / evangélica e não restrita a pastores.
https://seminarioteologicobatista.com.br/cursos/aconselhamento/
(3) O tema para a Conferência Fiel Mulheres 2020 é: “Aconselhai-vos mutuamente: nutrindo uma
cultura de discipulado”
https://ministeriofiel.com.br/eventos/aconselhai-vos-mutuamente-nutrindo-uma-cultura-dediscipulado-fiel-mulheres-2020/
(4) Uma parte da discussão sobre este assunto pode ser encontrada em:
https://voltemosaoevangelho.com/blog/2017/09/reforma-e-os-sacramentos/
Elvan Freitas – professor da FATEO / STBESP há 26 anos, pós-graduado em Bíblia: Interpretação
e Pregação (FTSA)
Membro da Primeira Igreja Batista de Bauru.
Excelente reflexão sobre práticas e posturas aceitas muitas vezes sem questionamentos dentro de nossas congregações. O autor levanta sabiamente que o princípio histórico batista é o de uma constante auto-avaliação e de avaliação de nossas estruturas. A igreja vive sempre essa tensão de permanecer fiel a uma tradição histórico-teológica e poder estar sempre em reforma, adaptando nossa leitura às necessidades atuais em humildade e postura de escuta obediente ao Espírito de Deus.